They are these or they may be others
Luísa Santos
Researcher and curator Exhibition text published in the booklet of the solo exhibition They are these or they may be others, 3+1 Arte Contemporânea (Lisbon, 2014).

Quando entramos no espaço da exposição They are these or they maybe
others, somos levados para um mundo que nos é muito familiar: o ecrã dos computadores ou dos smartphones. Mas há uma diferença tão crucial quanto intencional: aqui, estamos num espaço físico, palpável, com mudanças de luz, de temperatura, e outras que só podemos encontrar num lugar que trespassa o mundo do ecrã.
Esta transposição, que aqui verificamos na passagem do virtual para o real, é uma metodologia no trabalho de Cristina Garrido (*1986, Madrid). Trata-se de transpor ou re-contextualizar um material que encontra, do qual se apropria e sujeita a uma metamorfose.
O material de arquivo tem sido objecto de desejo para a arte contemporânea nas últimas décadas. Mas a maneira como o arquivo é tratado adquire diferentes formas que, a uma primeira leitura, parecem demonstrar interesses antagónicos: ora revela momentos de um passado que não nos foi possível presenciar, ora revela uma multiplicidade de realidades de um presente em constante mutação, numa velocidade tão feroz que é impossível acompanhar. É precisamente nesta impossibilidade que reside o mesmo objecto de desejo do arquivo nos seus diferentes usos: seja qual for o modo de olhá-lo, sobre um momento que já passou ou sobre um momento que está a passar demasiado rápido, não somos, fisicamente, testemunhas.
E é também nesta impossibilidade que Cristina Garrido constrói o seu léxico. Com base em arquivos de plataformas como Contemporary Art Daily, This is
Tomorrow, websites de galerias e redes sociais, construiu um arquivo digital de cerca de 2.500 imagens agrupadas em 21 categorias, correspondentes a exposições em todo o mundo nos últimos quatro anos, numa senda que seria impossível presencialmente.
Estas imagens formam a base de construção dos oito memes (de uma série de 17) de 100 x 66 cm que compõem a exposição. Frases por cima das fotografias, pintadas com tinta branca e contorno preto, descrevem-nas factualmente num processo reminiscente de One and Three Chairs (1965) de Joseph Kosuth. Os conjuntos “Suportes com elementos pendurados”, “Coisas encostadas à parede e ao chão”, “Caixas de cartão”, “Coisas amarrotadas no chão”, “’Plantas”, “Biombos”, “Tapetes”, e “Telas penduradas directamente na parede” aparecem, um a um, num rigor que faz questionar se estamos perante fotografias de exposições que, de facto, aconteceram. Para qualquer pessoa que veja algumas exposições ao longo do ano, em qualquer parte do mundo, é impossível não sorrir. Este tipo de representações formais são recorrentes em exposições de arte contemporânea, independentemente dos conceitos que lhe estão aplicados.
A escolha da tradução visual em memes não é inocente. Os memes têm origem na Biologia que os define como dados genéticos e não genéticos que se propagam, como vírus, através dos seus transmissores corpóreos (Richard Dawkin, 1976). Os memes da internet, imagens de baixa resolução com letras brancas com contorno preto, quase invariavelmente escritas com o tipo de letra Impact, partem do mesmo pressuposto: propagação viral. A maneira como vemos arte mudou ao longo do tempo: é mais improvável vermos arte em museus, bienais, galerias e, ainda mais improvável, em visitas de atelier do que num ecrã de um aparelho ligado à Internet, sentados no aparente conforto de uma sociedade dita evoluída, contemporânea. Em vez de dizermos a alguém para ir ver uma exposição, partilhamos uma fotografia de uma exposição numa qualquer rede social. Alguém a vê, em qualquer parte da aldeia global que McLuhan antecipou nos anos 60, e (re)partilha-a. E assim sucessivamente, numa propagação viral.
Numa análise crítica à transformação dos modos de ver arte, Cristina Garrido usa as imagens que encontrou, repetidamente, e coloca o foco na génese destas imagens que são, regra geral, legitimadas em uníssono como representativas de exposições de arte contemporânea. As imagens que aqui vemos não são as originais, do arquivo digital que compilou mas encenações fotografadas pela artista. Na verdade, seria impossível chegar às imagens originais, já que estamos, nas redes sociais, constantemente a partilhar cópias de cópias, num processo análogo às fotocópias mas em meio digital. Estas imagens são assim uma dupla repetição: formalmente, são cópias digitais e conceptualmente são cópias, intencionais, de ideias. Observou as imagens que encontrou e categorizou, sujeitou-as a uma mimetização, representando-as, propositadamente, como memes que são, por definição, virais, cópias e, sendo cópias, não têm o valor da obra de arte única. No entanto, aqui, apesar da representação formal enquanto memes, são imagens fotográficas únicas, com letras pintadas à mão, numa convocação clara à Pintura. Ao pintar nas fotografias, Cristina Garrido reforça a passagem do imaterial para material.
Neste processo de transposição e metamorfose, provoca uma mudança no significado e no valor do objecto do qual se apropria. Qual é o valor da série de fotografias que aqui se apresentam? São estas (as que se apresentam como imagens, tecnicamente, únicas) ou serão as outras (as que originaram as imagens que aqui se apresentam) que terão mais valor? É nestas questões que a construção complexa do corpo de trabalho They are these or they maybe
others se afirma como um momento de reflexão de Cristina Garrido sobre o entendimento dos processos que determinam tanto o valor comercial da arte como a sua legitimação. Em qualquer dos casos, os processos escapam ao controlo da artista.